21 de março: Dia Mundial da Poesia



Fernando Pessoa
Por trás daquela janela

Por trás daquela janela
Cuja cortina não muda
Coloco a visão daquela
Que a alma em si mesma estuda
No desejo que a revela.

Não tenho falta de amor.
Quem me queira não me falta.
Mas teria outro sabor
Se isso fosse interior
Àquela janela alta.

Porquê? Se eu soubesse, tinha
Tudo o que desejo ter.
Amei outrora a Rainha,
E há sempre na alma minha
Um trono por preencher.

Sempre que posso sonhar,
Sempre que não vejo, ponho
O trono nesse lugar;
Além da cortina é o lar,
Além da janela o sonho.

Assim, passando, entreteço
O artifício do caminho
E um pouco de mim me esqueço
Pois mais nada à vida peço
Do que ser o seu vizinho.

25-12-1930.
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). (in Arquivo Pessoa, disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/148 )

Foto: Jornal Moliceiro