No mar das sereias

Antes de fechar para férias, o Jornal Moliceiro gostaria de oferecer aos seus leitores três textos elaborados por alunos do 6º ano da Escola João Afonso de Aveiro, na disciplina de Português, no 3º período. 
Os alunos deveriam imaginar o que aconteceria a Ulisses se não tivesse resistido ao canto das sereias e se se tivesse libertado das cordas que o prendiam ao mastro do navio. Um dos alunos, o António Fareleira, além do texto, ofereceu-nos também uma ilustração. Os nossos leitores já o conhecem, pois desde o ano passado que é um colaborador regular do nosso jornal. É da sua autoria o texto "Nabo, mas inteligente". Os outros dois textos são da Sofia Fernandes, um dos elementos mais ativos do Clube de Jornalismo, e da Mafalda Rocha, que recentemente nos ofereceu o texto "Um príncipe YouTuber?". 


Alguém no mar


Ulisses sentia-se frustrado com os seus companheiros e gritava-lhes quanto podia para que estes o libertassem das fortes cordas que o prendiam ao mastro. Mas nenhum marinheiro, nem mesmo um, o conseguia ouvir, porque todos tinham os ouvidos tapados com cera.

Encantado com o canto das sereias, só queria sair dali para o ouvir mais de perto, pois parecia Penélope. E sem saber o que esperava, conseguiu soltar-se e caiu no mar.

Começou a ver peixes muito bonitos e enquanto mergulhava, avistou as sereias que há pouco eram tão belas e agora monstros sem orelhas, vestidos com maldade.

Agora já não se sentia encantado, muito pelo contrário. Estava assustado e amedrontado. Só pensava: “Porque é que tive esta ideia?!” ou “Como é que fui enganado assim por monstros marinhos que me querem matar?!”.

Mas percebeu que ainda respirava, pois ainda lhe restava a erva da vida que Atena lhe tinha oferecido.

Quando as sereias se aperceberam disso, levaram-no imediatamente à rainha. Duas sereias levaram-no para o palácio, enquanto as outras à volta serpenteavam as suas línguas finas, furiosas.

Ulisses estava apavorado. Chegou às portas do Palácio donde saíram cavalos-marinhos a puxar um coche de coral com um peixe cocheiro e alguém lá dentro.

Quando a sombra saiu do coche, interrogou as sereias:

– Para que é este humano?

            – Majestade, não sabemos o que lhe dizer, mas não o conseguimos matar com o nosso canto.

            – Muito matreiro, este humano! Eu sou Serólea, a rainha das sereias e tu, como te chamas? – perguntou-lhe, quando já todos tinham ido embora.

            – Chamo-me... Chamo-me... Alguém!

– Que onda de nome te deram, criatura da superfície! Eu levar-te-ei para o Palácio e dar-te-ei muito que comer.

            Ulisses, já no seu novo quarto, olhava pela janela os campos de algas, os cavalos-marinhos, os peixes-boi... e, claro, as sereias, que ainda estranhavam a rainha das sereias não lhe ter tirado a vida.

            Passaram dois dias, três dias e Ulisses continuava desconfiado. Queria voltar para o seu barco, para junto dos seus marinheiros. Mas a verdade é que o oceano é grande, e as sereias não o queriam deixar ir.

            Naquela noite, Ulisses não conseguia dormir, só de pensar na sua tripulação que já podia estar em Ítaca. De repente, uma sombra entrou. Era Serólea. Ela queria descobrir o que fazia com que Ulisses respirasse debaixo de água, mas foi Ulisses que a surpreendeu, pegou na erva da vida e saiu pela janela a nadar.

            – Acudam, meu povo! Alguém vai fugir! –  gritou a rainha.

            – Sim, mas quem? – responderam as sereias em coro.

            – Não percebem, suas tolas! Alguém está a tramar-me!

            – Isso não interessa se não soubermos quem é!

            – Miseráveis! Eu própria apanharei Alguém! – berrou.

            As sereias encolheram os ombros e olharam umas para as outras com ar confuso.

Depois de ouvir esta conversa, Ulisses nadou o mais que pôde. Mas Serólea agarrou-o e roubou-lhe a erva, depois olhou para ele e riu-se. Ulisses começava a perder o ar, pois era graças à erva que respirava no mar.

– O tempo está a esgotar-se! – declarou, calmamente. –  Aahh!... PUM!

Uma âncora caiu-lhe na cabeça. Eram sem dúvida os seus marinheiros, ou melhor... os seus amigos. Ela afundou-se e a erva dissolveu-se. Ulisses já avistava a espantosa luz do sol. Quase sem fôlego, voltou à superfície.

Os seus companheiros saudavam-no enquanto ele subia pela corrente da âncora.

Agora estava um dia lindo e Ulisses pôs-se a contar a sua aventura a todos os que o queriam ouvir. Mal ele sabia o que estava para vir…

 

Texto e ilustração: António Fareleira, 6ºG (junho de 2020)

 



Um espinho milagroso

            Ulisses soltava-se lentamente das cordas, até que o belo canto que este ouvia levou-o ao alto, e de repente, fê-lo mergulhar profundamente. Enquanto o fazia, avistava peixes de todas as cores e espécies; a água era límpida, majestosa e transparente; os corais eram raríssimos e espantosos. Quase no fundo do mar, as sereias começaram a aparecer, as caudas coloridas e os biquínis a combinar. Ulisses sentia-se cada vez mais leve, sem problemas, sem obrigações, a cada centímetro que percorria.

    Finalmente chegou ao trono de Pérola, a Rainha das Sereias, que estava surpreendentemente vazio. Até que esta apareceu por trás de Ulisses:

            – Ulisses, Ulisses! – chamava ela, cantando suavemente.

            –  Estou aqui – respondia Ulisses, encantado.

            –  Vem até mim! – chamava Pérola, cantando, já sentada no seu trono.

            Ele obedeceu e assim caminhou até ela, mas durante o percurso, pisou num espinho, que por milagre o desencantou e fê-lo compreender que estava a correr perigo.

            Ulisses sabia que, se começasse a fugir, iriam apanhá-lo. Então, disse a Pérola:

            – Irei ter contigo, minha deusa, mas estou encantado com a tua cauda. Como queria ter uma igual!

            Pérola, sem pensar duas vezes, exigiu a melhor cauda. Foi o que as sereias fizeram, trouxeram-lhe a cauda para Ulisses. Este, depois de a vestir, fingiu ir ter com a Rainha, mas num piscar de olhos de Pérola, já ia a fugir.

            Entrou no barco e pediu aos companheiros para o ajudarem a fugir das sereias. E juntos conseguiram ficar em paz, longe do perigo.

 

Texto: Mafalda Oliveira Rocha, 6ºG (junho de 2020)

 

 

Ulisses e as sereias, de John William Waterhouse, 1891
Óleo sobre tela; 100,6 cm x 202 cm; National Gallery of Victoria (Melbourne, Austrália), 




No mar das sereias

E lá estava Ulisses, mergulhando em água fria, gélida, que mais parecia um frigorífico ou um congelador do ano 2020. Estava assustado por ter ouvido a voz de Penélope, a sair do fundo do mar bravo.

Havia corais e algas à sua volta, peixes nadando ao de leve pela água límpida, sempre atentos, um pouco receosos, mas felizes por estarem num espaço repleto de plantas de todas as cores possíveis. Parecia tão belo como um jardim aquático, em que sereias nadavam em volta de algo parecido com uma fonte que permitia às misteriosas criaturas passar do Mar Mediterrâneo para qualquer outro sítio.

E ali estava o castelo subaquático com Sereianos que tinham a missão de proteger aquele monumento. Era extraordinário, havia tochas de luz quente entre todas as portas e janelas! Do castelo, era possível ver-se o maravilhoso jardim subterrâneo, repleto de flores e plantas marinhas. O castelo era igualmente fantástico. Viam-se silvas, cheias de espinhos em seu redor, que impediam que algum indesejado lá entrasse. Era mais bonito do que uma fonte a soltar ouro! Até Ulisses acreditava que estava a alucinar! Era feito de prata, e com todas as jóias e pedras preciosas que as Sereias tinham conseguido trazer do pobre Nilo, com ajuda da fonte. E lá entrou Ulisses, enfrentando o desconhecido.

Mas, ao entrar nesta aparente maravilha, viu apenas um pequeno compartimento, a que deram o nome de sala. Lembrou-se então que estava debaixo de água... e que estava a ficar sem ar!

De repente, apareceu-lhe a Rainha das Sereias, que fingira a voz de Penélope desde o princípio. Possuía longos cabelos, amarelos esverdeados, tinha expressão ausente, uma cauda escamosa, cor de nuvem carregada de chuva, pronta para soltar um trovão. Esta tapava-lhe todo o corpo, à exceção da cabeça e das mãos, cobertas de membranas elásticas.

A sua personalidade não era muito diferente deste elemento da natureza. O seu nome era Florbela, embora a sua aparência não lembrasse uma flor nem nada de belo. Sempre que ostentava um ar aborrecido, o melhor era não falar com ela e, com o tempo, ela iria optar por uma expressão mais neutra. Aparentava sempre um sorriso constrangido, pois nunca conseguia o que realmente queria. Muitos afirmam que ela já cometera assassínio, enquanto outros juravam pela sua alma que era uma rainha perfeita.

Ao chegar perto de Ulisses, deu-lhe uma espécie de bola de sabão gigante, para ele colocar na cabeça e respirar livremente. O inocente e, às vezes, ingénuo guerreiro aceitou, e de bom grado, a oferta de vida debaixo de água. Ele resolveu explorar o fundo daquele desconhecido mar para salvar Penélope e voltar para junto dos seus.

Mas esses não eram os planos da Rainha daquelas estranhas criaturas. Primeiro, decidiu conversar com o mortal, como sempre fazia com quem por ali passava.

– Ulisses, meu caro amigo! – disse a sereia, com um tom de voz desigual, indiferente e forçado de alegria em ver aquele grego. – Que bom ver-te por estas bandas! O que te traz aqui?

– Não me deixo enganar pelos teus truques! Não finjas que não sabes o que se passa! Onde está a minha mulher?! Preciso de saber onde está Penélope! E depressa! - acrescentou, vendo a despreocupação da criatura perante a sua exclamação.

– Ela não está aqui – respondeu-lhe a Sereia, com secura, mostrando verdadeiramente que só estava feliz por uma razão...

– Onde está ela?! O que lhe fizeste?! Mataste-a?! Prendeste-a?! SOLTEM-ME! - gritava o infeliz, enquanto era preso pelos... guardas “sereianos”.

O que elas não sabiam é que Ulisses era manhoso e tinha sempre um truque na manga, mesmo que esta estivesse coberta de algas e toda ensopada. Fingindo-se inofensivo, pediu apenas à Rainha que lhe desse uma espada de ouro, para poder comer um último peixe, antes de morrer.

Desinteressada, mas sem se importar com esta proposta absurda, a Sereia não hesitou e lá lhe deu a espada, como o mortal tanto queria. Mesmo cheia de certezas de que nada iria falhar no seu plano, a maldita ordenou que três guardas o levassem até uma espécie de compartimento, para Ulisses poder comer, o que ela pensava ser a sua última refeição.

Quando o grande guerreiro se preparava para cortar o peixe... ZÁS! O golpe não foi executado no animal, mas sim nos pescoços dos guardas! E assim foi, com todos aqueles que se atravessavam no seu caminho, para o impedir de chegar junto dos seus companheiros.

E lá ia Ulisses, arrependido por não ter ligado aos conselhos de Circe, voltando à superfície, quase sem fôlego, depois daquela estranha e louca aventura.

Alguns peixes, inteligentes, contam que o resto dos corpos se desfez, mas o sangue moveu-se para a fonte que levava os seres para qualquer lado, e foram parar às águas da Arábia, daí o nome "Mar Vermelho".

Devem estar a pensar: "Então, onde estavam os companheiros de Ulisses?". Ora, estes, sabendo da manha do seu mestre e grande amigo, esperaram apenas, para que conseguissem voltar à sua outra aventura de regresso a casa.

Apenas posso dizer que Ulisses respondeu a todas as perguntas da seguinte forma:

– Quando chegarmos a Ítaca, relembrarei esta aventura como o dia em que manuseei a espada de ouro e criei o Mar Vermelho!

 

Texto: Sofia Fernandes, 6ºI (junho de 2020)